Léo Daniel

Amar é servir. Servir é ser livre para Amar.

Textos

O HOMEM FANTASMA
Capítulo 2
O HOMEM FANTASMA


Para um homem que mora nas ruas suas trouxas são seus fantasmas. Melhor seria se ele realmente se atirasse à ajuda humana, nos tecidos do meio social e assim logo viria a mútua cooperação e a solução para aquela situação de rua. Mas nem a sociedade quer ajudar, nem quem precisa quer ser ajudado. Espero compreender o porquê disso com a escrita desse livro. Por hora sinto que o olhar afligido não ajuda. Por hora sei que o ódio por estar faminto não cola. Mas com o Gigante era tudo diferente. Ele se mostrava incapaz de estabelecer laços de amizade, por haver nele um bloqueio em meio ao sofrimento. O sofrimento leva à loucura. E ele tinha algo de louco... mas um louco exótico por estar infligindo algumas leis - eu sei, por estar faminto.
O Chaves do seriado de TV mora num barril, isso todo mundo sabe, mas o que poucos repararam é que ele não tinha a tralha, os pertences, a trouxa, de muitos indigentes, de muitos andarilhos. O que isso prova? Prova que devemos abrir não do pouco que é toneladas de tudo para que de fato possamos ser ouvidos e ajudados. Era assim que eu pensava. É assim que eu penso. Então como ajudar um homem propenso aos riscos das ruas? O Gigante na sua trouxa trazia cobertor, pão e às vezes comida em decomposição.
A cidade de Inhumas tem cerca de 50.000 habitantes e em suas cercanias há partes de pedras e rinhas de motos e carros e há seletas partes de muros altos. E sempre faço descobertas nela, por ser ela a cidade em que eu moro, cidade que amo. Minha mãe conta de um homem que morava em sua cidade natal, Araxá, muito parecido com o nosso Bacuri. São figuras que se repetem...
Como ajudar o Gigante? Era isso que eu precisamente precisava saber e por que não enfocar que homens assim, viram fantasmas fora do jardim?
A sociedade marginaliza seus marginais porque ela é sociedade e não família. Se todos nos tratássemos como família iriamos atrás da ovelha perdida por mais emburrada que ela esteja. Agora morar nos bosques é um direito de cada um. Na Grécia Antiga tinha um filósofo muito emblemático, Epicuro, que pensou que a felicidade estava um pouco mais afastada das cidades, seriam os bosques? Que sejam então, mas morrer de fome não é para ninguém. Na Antiga Grécia também tinham os filósofos cínicos que queriam viver como cães, na mais simples e singela forma de viver, sem posses, sem poses, sem nada... seriam os hippies de hoje? Pode ser... mas a mendicância tem que ser vista como fracasso nosso e não como opção de vida apenas. Não defendo quem não quer ser ajudado. Mas o “não quer” pode ser uma barreira psicológica, um bloqueio frente ao passado que com o “tempo de amor” pode ser superado. “Tempo de Amor” é como lidar com a situação, ajudar... envolver talvez não. Com o Gigante eu me envolvi e não me arrependo. Sei que ele poderia reagir e até tentar me machucar, era um risco, um preço - para aos poucos fazer daquele homem fantasma um homem por si mesmo visto. E visto por seus próprios olhos vermelhos e cansado por tanta falta de como dormir, ou do sono que nunca mais vem. Mas como mostrar seu rosto no espelho sem que ele fique cortado?

in: FRUTOS DO ÉDEN
Leonardo Daniel
Enviado por Leonardo Daniel em 24/11/2020


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