Sobre o tempo
JORNAL O IMPARCIAL/ARARAQUARA
COLUNA: O CONTADOR DE HISTÓRIAS (texto 1 – Janeiro 2005) Sobre o tempo Saudações amados leitores! Estamos frente a frente com mais um ano, mais um ciclo de translação terrena. Essa nossa primeira coluna do ano vem tratar exatamente do tempo, vamos falar sobre o tempo mítico, isto é do tempo não tempo, do atemporal, e vamos falar também do tempo físico, a qual nós mortais estamos sujeitos. Muito já se tem pensado e até filosofado sobre o tempo, filósofos e cientistas apontam para a relatividade temporal, viagens no tempo, e outras teorias estão por toda parte, desde artigos científicos a histórias em quadrinhos, me vem agora a bela música do Pato Fu também chamada “Sobre o Tempo”, que faz um diálogo direto com o tempo e lhe pede: “Só me derrube no final”, e é isso que me chama a atenção, pois o final é sempre uma marca temporal, é sempre um ponto final no discurso único da vida, a música pede para o tempo que a vida seja plena e a morte breve, derrubar no final? Pense leitor, é o final porque veio a queda? Ou é a queda que trouxe o final? Parece um dilema bobo, do tipo tanto faz... Mas não é. Na verdade é crucial responder ao dilema, e, conscientemente fazer sua escolha, numa epopéia como a “Ilíada” esta resposta vem à tona em todo poema, pois a vida do herói Aquiles é um símbolo da luta do gênero humano contra o tempo contra Cronos, pai de Zeus, e em última instância é uma luta contra a morte, Aquiles procurou-a. Aquiles encontrou-a. Ele na sua luta se vê diante do tempo e o vence com a memória do canto das Musas, sua queda trouxe o final, só foi final porque Aquiles caiu, senão talvez ainda a guerra de Tróia existiria, e existiria eternamente, até que Páris, Heitor, e Aquiles caíssem todos fulminados pelas Moiras tecelãs do destino. É nisso que consiste o tempo vencido pela fé, o tempo mítico, a poesia cantada não é de hoje ou de ontem é de sempre... Nesse tempo, só há final porque houve a queda, a vida humana vale mais que a força do tempo, e os homens velejam num espaço que também é pura ação, o tempo é ação, o tempo só é acionado num ato bravio do herói que faz da vida, signo da alma além do corpo. O tempo mítico não é promessa de eternidade, é substância do eterno e ele é fascinante, quantos já morreram em guerras, em atos terroristas, convictos de serem filhos desse tempo? O contador de histórias tem que beber desse tempo para comprovar que a vida é feita de histórias, e que cada história “carrega em si o dom de ser capaz de ser feliz”. Precisamos sentir o ritmo da epopéia, do sentido épico do ser no mundo, sentir em instantes de adoração que o eterno está sim em nosso coração. E “ o paraíso, ele paira no ar”. E agora pergunto o que é o tempo físico senão que os fenômenos da natureza? A luz do Sol é o dia, o brilho das estrelas trás a noite enluarada, tudo assim mesmo, simples, como num conto de fadas, o que são as horas modernas, senão uma invenção humana? Quem pode me dar meio quilo de tempo, ou quem sabe me diz: quanto tempo tem em duas horas? Onde está a força motriz? Duas horas na fila de um banco são as mesmas duas horas na fila do estádio na partida final da copa? No tempo físico é do final que veio a queda, e é bom que seja assim, beber a taça da vida até o fim, faz parte do ritual de despedida, despedir só é um até logo, só é um despir-se dos medos e pegar nas mãos do anjo, rumo ao desconhecido universo chamado homem. Na próxima vez que forem contar uma história, viva o tempo da própria glória de ser o contador, o tempo da história é perfume que a Musa nos deixou. Leonardo Daniel Ribeiro Borges* leodanielrb@yahoo.com.br *Leonardo é poeta, professor, contador de histórias e escreve esta coluna para o nosso jornal.
Leonardo Daniel
Enviado por Leonardo Daniel em 11/11/2020
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