Léo Daniel

Amar é servir. Servir é ser livre para Amar.

Textos

A HORA DO MERGULHO


- Não sei se começo a descrever ou a narrar, o que me diz Lukács?
- O susto padece de explicação, o mergulho só pode ser feito quando o sonho não deseja o chão.


Eu durmo pouco, a não ser quando estou zyprexado, mas não sinto falta do sono que para muitos o não dormir é pena; do insano insone. Sou um short sleepers, alguém que descansa profundamente com algumas horas de sono.
Numa noite dessas, ou melhor, numa madrugada dessas, quis ver como o Gigante estava como ele dormia, saí de casa e fui para rua. Lá chegando seus guardiões caninos também estavam dormindo e eu que às vezes sou eufórico-maníaco, apliquei uma chave de braços, no Gigante, que acordou do sono sofrido gritando:
- Eu já falei e vocês não querem me obedecer!
Um silêncio lacônico deveras importante tomou conta do meu ser... Ele me empurra para traz, eu não tive medo e o enfrentei dizendo:
- Você não vai mais morar na rua!
Tudo bem que sou faixa preta de Taekwondo, mas não treino há muito tempo e também ele era o dobro de mim, então não poderia sustentar aquela situação, aquele conflito. Disse a ele que iria ao supermercado, mas ele só abriria às 06h. Não me lembro mais do que fiz, talvez tenha voltado pra casa. Mas não tive dele medo eu o amava.
Não há umbral para quem ama. Não há guardião que resista ao amor. O amor vence ele dá coragem, ele acende a chama da esperança com a luz trazida dá fé e pela fé. Porque o enforquei com aquela chave? Por loucura e por amor. Ele se achava muito forte e quis mostrar ao seu coração que a força dos músculos é menor do que a vontade e presença de espírito. O que aconteceria se nós tivéssemos brigado? Não brigaríamos. Quando um não quer dois não briga. Ditado sempre dito por minha querida mãe, ao ouvir de um de nós:
- Mãe, mas foi ele que começou!
A hora do mergulho, não é desse mundo. É de outro. Você nem sempre é o mesmo, não é mesmo? Então o Gigante quando sonhava, sonhava com os pais que já morreram. Ele não tinha medo de ninguém, mas sempre estava preso a torvelinhos, de ânsia e satisfação. A ânsia que lhe cortava os dedos que são por onde entram os desejos e satisfação pelo orgulho de nunca estar satisfeito, de não ter comido nem bebido direito, a hora do mergulho para ele, era só por alguns momentos, poucas horas de sono. Eu durmo pouco comparado aos outros, mas tenho minha casa, meu lar, meu reino, o gigante dormia ao relento... é triste é tórrido. E há anjos entre nós, um deles é o Seu Moacir, que fazia de tudo para diminuir-lhe o sofrimento. O Seu Moacir, é meu cabelereiro. É ele que me deixa parecido com Jean Claude Van Damme, quando eu queria parecer o Paulo Ricardo. Ele também faz minha barba... a barba do Gigante não era muito grande, mas aos bons modos era dilacerante, pois na jangada insólita dos dizeres cáusticos, os barbados são amedrontadores.
Mergulhar era portanto inevitável. Ele não revisava o dia, porque o dia não merecia ser revisado. Ele não fazia oração, pois sua fé estava contida no cão, ou melhor nos cães... vários...
Eu sempre perguntava a ele seus nomes, e ele se esforça em nomeá-los, mas de alguma forma titubeava em sons quase melancólicos. Então eu falava:
- Esta aqui é a Lili?
E ele me respondia:
- É... Lili.
E eu ficava feliz...

“feche a porta, esqueça o barulho
feche os olhos, tome ar: é hora do mergulho”

Humberto Gessinger
Engenheiros do Hawaii
(A Hora do Mergulho)

texto retirado do meu Livro: "O Poeta e o Gigante"
Leonardo Daniel
Enviado por Leonardo Daniel em 16/07/2020


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